Extrapolações

Wednesday, March 15, 2006

 
De Um Vento Do Norte - 1

Levantei-me de um sono leve. Acendi a vela. Nas paredes brancas do quarto dançavam as sombras. Sob os meus dedos, a espada esperava o momento certo. Faltava à noite ainda a derradeira voz dos bárbaros junto às portas da cidadela. Faltavam ainda, também, os gritos das mulheres correndo as ruas apertadas na eminência do sangue dos seus filhos derramado nas lajes e na terra.
As chamas das tochas desciam a escuridão dos montes aos milhares. Os bárbaros estariam dentro poucos períodos de tempo prontos para nos atacarem. Ao meu lado, Fred analisava as cordas dos sinos. Era agora a minha vez de ficar de vigia. Os seus olhos estavam vermelhos. A sua boca, grave, não sorria como habitualmente. Faltava pouco mas ainda não tinha chegado o momento da traição. Convinha actuarmos de maneira natural. A confiança que haviam depositado em nós deveria ser insuspeita até ao fim. A torre de vigia fora-nos confiada pelos ministros e sacerdotes com muito trabalho e esforço de meses.
Aproximei-me da janela e vi que os archotes dos bárbaros se apagavam. Olhei Fred e acenei-lhe com um gesto de cabeça. Ele pegou na sua espada e acenou de volta. Cortou as cordas dos sinos. Por boas terras de cultivo e uns quantos escravos, venderíamos o nosso povo à horda que dentro em breve estaria a derramar as entranhas dos nossos conhecidos.
Descemos as escadas da torre e dirigimo-nos com cuidado para a caserna dos portões. Degolámos os guardas um a um. E quando, em silêncio, soubemos os soldados invasores a poucos metros das portas, retirámos as trancas. Eles entraram e seria só mais umas respirações até tudo começar e acabar. Eu e Fred saímos e cavalgámos até à alvorada. Nunca olhámos para trás, para as vidas perdidas daqueles que povoaram o único mundo que até então conhecêramos.

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